sábado, 13 de junho de 2015

Música para vividos



Roberto Carlos e Maria Bethânia são artistas que cantam coisas pra gente grande, madura, que passou por experiências, que viveu realidades.
Quando criança via minha mãe, meu pai, minha irmã ouvindo estes artistas. Via altas conversas ao pé da radiola que ficava na estante de madeira, e duas caixas de som que ficavam no alto desta estante.
Ah, quando criança, na mania de pirotecnia, queimei uma caixa de som, todo mundo que chegava em casa e via a caixa de som sem a telinha de proteção preta perguntava o porquê de não estar ali. Meus pais contavam a mesma história: "Eduardo queimou!" História que posso contar depois.
Então, enquanto brincava, via os adultos ao pé da radiola ouvindo música de gente grande. Estas músicas sempre me traziam a sensação de feriado, tios e tias em casa, vizinhos gente boa, gente grande que brincava comigo, comida gostosa. Mesmo sendo música, era coisa séria.
Na adolescência, a sensação permaneceu a mesma quando ouvia essas músicas de gente grande, mesmo depois que botaram na minha cabeça a absurda ideia de que ouvir essas músicas não era coisa de um bom cristão; quando cresci mais vi que não era bem assim (outra história que posso contar depois). Na verdade sempre soube que artistas como Roberto e Bethânia cantava coisas sobre a vida e o amor.
Na juventude, que parece que nunca vai acabar, comecei a ver artistas assim de outra forma, via com sua poesia e tal. Nesta fase já sabia que Deus nos deu criatividade pra poetizar tudo, ele fala por vozes surpreendentes. Ali eu via poesia e principalmente a primorosa interpretação de Bethânia. Achava lindo, entendia mas não em sua profundidade.
As músicas com o Roberto mesmo, até então só me traziam à memória as cenas da infância, as com a Bethânia, além da memória, trazia a imagem da minha irmã fazendo faxina enquanto ouvia na radiola que tinha a caixa de som queimada. Mesmo já estando na faculdade os aportes sobre vida em sociedade não me permitiam chegar no cerne do que estes adultos diziam. Via contexto de repressão na produção de algumas músicas, o excelente momento artístico que permeava as décadas 60 e 70, elementos da brasilidade (assunto perigoso entre os antropólogos) e coisas não menos importantes que o que estes artistas queria dizer na verdade.
Fui crescendo e vendo que as coisas das quais estas pessoas falavam em suas músicas cabiam exatamente com situações por que pessoas vividas passavam. À media em que amadurecia via que o que ligava os adultos às coisas que estes artistas diziam era suas próprias experiências de vida.
Ainda sinto a mesma sensação ouvindo Roberto e Bethânia, bem como outros e outras artistas que meus pais, tios e irmãos mais velhos ouviam quando que era criança. "as músicas que gente grande ouve e fica conversando". Mas as experiências amadurecedoras criaram uma relação com os adultos que eu observava, passei a viver a realidade de gente madura. Construir relacionamentos significativos em todas suas consequências: amizades, relações de trabalho, dilemas sociais, traumas que levamos pro resto da vida, consequências de escolhas que tivemos, um grande e verdadeiro amor. As dores e alegrias que isso causa.
As tensões de relacionamentos profundos, bem como a plenitude de seus significados estavam fazendo com que as coisas que estes artistas cantavam tivesse sentido.
Sofrimentos verdadeiros, entregas absolutas, traições traumatizantes, o prazer de um abraço dado na hora certa, o som do pôr-do-sol. Verdadeiras amizades, solidões profundas, a inspiração que é parida na madrugada, a profundidade e plenitude do amor. Feridas não cicatrizadas. Querer "ter um milhão de amigos e mais forte poder cantar", saber o que significa dizer que "sua estupidez não te deixa ver que eu te amo". 
Somente gente adulta entende o que estas pessoas falam em suas músicas. A profundidade prosaica das letras emolduram as vidas das pessoas, de suas experiências. Os adultos sempre os ouvirão.
Eu mesmo só fui entender o cerne, o sentido real do que eles queriam dizer quando passei pelas experiências que eles descrevem nas músicas que cantam. Cada experiência passou a ter trilha sonora. Minha vida, a que se passa em minha mente tem trilha sonora por causa de artistas como Roberto e Bethânia.
Música para vividos. Coisa de gente grande. Profundidade cotidiana. Música de realidade, música de homem e de mulher.

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